Iamarino não está sozinho nessa avaliação. Várias fontes ouvidas para esta série de reportagens do Jornal da USP (veja o índice ao final desse texto) cobraram uma atuação mais enérgica e mais estruturada das universidades na promoção da divulgação científica e no combate à desinformação. Ao longo da pandemia, muitos pesquisadores se alistaram voluntariamente nesse front de comunicação digital, divulgando estudos, esclarecendo dúvidas e desconstruindo mentiras por conta própria nas redes sociais, ou por meio de entrevistas à imprensa. Mas foram poucas as iniciativas de caráter institucional.
“A maioria das ações partiu de professores e alunos, não das universidades em si”, avalia a comunicadora Laura Marise de Freitas, do grupo Nunca vi 1 cientista, que trabalha com divulgação científica nas redes sociais. “Dentro do que eu vi, por parte das três universidades estaduais paulistas, não houve nada a altura do que a gente esperaria de instituições desse porte.”
Assim como Iamarino, Freitas começou a fazer divulgação científica como hobby, na pós-graduação, e acabou virando comunicadora profissional. Graduou-se em farmácia-bioquímica pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), fez mestrado e doutorado em Biociências e biotecnologia na mesma instituição, e fechou o pacote com um pós-doutorado no Instituto de Química (IQ) da USP, de 2018 a 2021. Desde então, desembarcou da carreira acadêmica passou a fazer divulgação científica em tempo integral ao lado da bióloga Ana Cláudia Bonassa, que também fez pós-doutorado no IQ-USP.
A fagulha que despertou seu interesse pela divulgação científica foi gerada no mestrado, em 2013, quando Freitas atuou como voluntária num projeto social de assistência à saúde de gestantes chamado Bebê a Bordo, em Araraquara, no interior paulista. “Lá eu comecei a perceber que precisava aprender a conversar com as pessoas; que não dava para eu falar com elas da mesma forma que eu falava na faculdade”, relembra ela. No doutorado, em 2018, Freitas participou do FameLab, uma competição internacional de divulgação científica, onde conheceu Bonassa e recebeu o treinamento que precisava para montar o projeto que deu origem ao Nunca vi 1 cientista.
A comunicação, segundo ela, é uma ferramenta fundamental para derrubar os muros que separam o universo acadêmico da sociedade e, por consequência, levantar muralhas contra o avanço da desinformação — notícias falsas, pseudociências, falsas curas, teorias da conspiração e outras falácias do tipo. “Ter uma proximidade maior das universidades com a população também é importante para combater esse tipo de conteúdo, porque você começa a criar pequenos ecossistemas de pessoas informadas, que ajudam a barrar o espalhamento da desinformação”, avalia Freitas. “Sinto que falta muito essa proximidade, ainda. Eu vejo algumas faculdades fazendo projetos de extensão, mas que acabam sendo mais voltados para gerar pontos no currículo do que, realmente, criar essa comunidade com as pessoas de fora da academia.”
Construir esse tipo de comunidade extra-muros é algo que leva tempo e que exige muita expertise sobre o funcionamento das diferentes plataformas digitais, ressalta Iamarino. Não é um vínculo que se constrói do dia para noite nem de forma passiva, simplesmente se colocando à disposição da imprensa ou disponibilizando informações on-line, na esperança de que as pessoas encontrem e consumam esse conteúdo por conta própria. “As instituições precisam entender que o papel delas nessas novas mídias têm que ser muito mais ativo do que era anteriormente”, diz Iamarino. Diferentemente do que ocorre com as mídias tradicionais (TVs, rádios e jornais), que procuram fontes na universidade para serem entrevistadas, “nas redes sociais é você quem tem que procurar o público ativamente”, completa ele. “A régua (do sucesso) não é ter docentes fazendo iniciativas legais de divulgação e produzindo material para o público. Isso é o mínimo que a gente tem que fazer. A régua deveria ser ter uma máquina de informação tão grande quanto a da desinformação.”
“A gente não pode entender o combate à desinformação como um trabalho voluntário, que é o que a gente tem feito”, diz a professora Ana Arnt, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Formada em biologia, com mestrado e doutorado em educação, ela coordena desde 2018 o Blogs de Ciência da Unicamp, uma plataforma de divulgação científica para alunos e professores da instituição, criada em 2015. Durante a pandemia, o projeto publicou mais de 300 textos e mais de 500 peças (fios, vídeos, carrosséis) sobre a covid-19 para divulgação em redes sociais, além de outras iniciativas.
Incentivar a divulgação científica é uma necessidade básica, ressalta Arnt, mas que está longe de ser suficiente para combater a desinformação que se espalha em escala industrial pela sociedade. Segundo ela, as universidades precisam investir de forma muito mais consistente e perene, não só em projetos de divulgação como na formação de comunicadores e na pesquisa científica sobre desinformação.