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A economia política das eleições de 2023 na Argentina – Jornal da USP

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Por Lorena Barberia, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

Vários analistas têm confessado estar “surpreendidos” com os resultados das eleições na Argentina. Quando os resultados das eleições primárias (as chamadas PASO — Primarias, Abiertas, Simultáneas y Obligatorias) foram divulgados, os especialistas, e particularmente economistas, expressaram sua surpresa que o candidato do governo incumbente e o atual ministro de economia, Sérgio Massa, tenha conseguido ganhar os votos suficientes para comprovar que seria uma força competitiva nas eleições gerais.

Após o resultado do primeiro turno, os mesmos analistas confessaram sua surpresa com o fato de Sergio Massa sair na frente. Seguem surpresos com o apoio elevado recebido por Javier Milei, o candidato e atual deputado liberal, derrotando Patricia Bullrich, candidata escolhida pelos eleitores dos partidos de oposição da coalizão Juntos por el Cambio. Um ano atrás, muitos analistas imaginavam que ela seria a próxima presidente da Argentina. Como entender que o eleitorado não está punindo um governo que chegou às eleições com inflação superando 150% em 2023? Como entender a votação expressiva de Javier Milei como segundo colocado?

Há questões que não têm sido suficientemente exploradas no caso da Argentina que merecem uma melhor compreensão. Há consenso que a inflação é um problema persistente na economia do nosso vizinho. E, geralmente, os estudos em ciência política demonstram que os eleitores preferem a direita para administrar a economia em períodos de alta inflação. Neste contexto, é compreensível que os candidatos que surgem como favoritos são os que representam alternativas de centro e de direita, do ponto de vista de suas plataformas econômicas. Não há nenhum candidato disputando as eleições com propostas de redistribuição da riqueza ou dos resultados do trabalho na Argentina.

Vale lembrar também, que os problemas por que passa a economia da Argentina neste momento não são novos. A inflação elevada e persistente não é um problema novo – o país vive com inflação crescente desde 2000, e a elevação recente começou em 2006, ainda que as taxas tenham aumentado significativamente nos anos pós-pandemia. Também vale lembrar que não há consenso na sociedade argentina de que o principal culpado pela crise inflacionária seja o governo incumbente. O estado argentino enfrenta problemas em cumprir as metas de ajuste fiscal. Para os que votam contra o governo incumbente, as transferências de previdência e auxílios e os pagamentos de salários a funcionários públicos são a raiz do problema. Porém, para uma parcela elevada da sociedade, a causa da fragilidade do estado se deve à falta de capacidade de tributar as elites e as empresas e à concessão de benefícios que foram oferecidos para manter estes grupos poderosos protegidos, nas últimas décadas, na Argentina.

Neste contexto, o apoio à Sergio Massa pode ser mais bem compreendido. Os estudos apontam que o crescimento econômico e o desemprego são importantes determinantes da motivação do eleitorado para “responsabilizar” os governos incumbentes nas urnas. A Argentina se recupera da crise econômica de 2018-19, que foi ainda agravada pelos efeitos adversos significativos da pandemia de covid-19. O FMI estima que a economia expandiu mais de 10 % em 2021 e a taxa de desemprego caiu para 8 % (de um pico de 13 % em meados de 2020).

Além destas questões, existe também um apoio forte do eleitorado, que concorda com disciplina fiscal, que acredita que a reforma não deva ocorrer cortando gastos em educação e saúde. Finalmente, apesar de todos os esforços do Juntos para el Cambio e dos partidos de oposição, o partido peronista conseguiu consolidar sua força política na província de Buenos Aires, nas províncias do sul e norte do país como Tucumán, Entre Ríos, Corrientes, Río Negro, La Pampa, La Rioja, Santa Cruz e Tierra del Fuego. Nestas localidades foi vencedor nas eleições para governador e prefeito das capitais, o que ajudou a mobilizar eleitores.

O apoio que Javier Milei recebeu tanto nas primárias como no primeiro turno das eleições gerais confirma que o anarcocapitalismo, ou o anarquismo de livre mercado de Murray Rothbard e seus seguidores, conta com forte apoio em alguns segmentos da sociedade. Esses segmentos incluem o eleitorado masculino, principalmente os jovens. Eleitores que apoiam as promessas de campanha de Milei de diminuir o tamanho do Estado e dolarizar a economia. Há também um descontentamento pela desigualdade provocada pela redistribuição dos recursos arrecadados entre as províncias na federação argentina, e parte do eleitorado que mais apoia Milei são eleitores que moram em províncias distantes de Buenos Aires.

De fato, Milei ganhou em dez províncias, incluindo Córdoba, Santa Fe e Mendoza, e muitos dos eleitores destes lugares se ressentem do sistema vigente de arrecadação e redistribuição de recursos na federação argentina. Porém, Milei não conseguiu até o momento ganhar o apoio das elites do setor empresarial e financeiro do país, que tem manifestado duras críticas a suas “receitas” econômicas, incluindo, além da dolarização, a eliminação do Banco Central e da tributação, a saída da Argentina do Mercosul e a quebra de relações com os dois parceiros mais importantes da Argentina no comércio: Brasil e China.

Em resumo, a eleição da Argentina precisa ser entendida como uma luta de diferentes grupos políticos que possuem visões diferentes de como o país poderá sair da crise. Qualquer que seja o presidente eleito em 9 de novembro, ele terá que governar fazendo acordos com os partidos políticos dominantes e, dentro deles, com suas facções. Além disso, terá que articular acordos com novos atores políticos que foram eleitos, sinalizando o início de uma nova clivagem política no país.

O novo governo eleito enfrentará um contexto adverso com pouca capacidade para adotar reformas significativas. Qualquer governo que for eleito em 9 de novembro terá que administrar uma economia bastante peculiar. O INDEC (Instituto Nacional de Estatística e Censo) estima que os argentinos têm mais de 360 bilhões de dólares não declarados e fora do alcance das autoridades fiscais — a metade do valor estimado do PIB do país. E, ainda pior, de forma perversa, a parte da sociedade que opera em dólares também exerce pressão sobre o peso, forçando sua desvalorização.

Como uma grande parte da economia funciona em dólares, as pessoas vendem pesos argentinos para comprar dólares, contribuindo para a desvalorização da moeda, fazendo com que os argentinos se preocupem mais com a inflação e incentivando-os a comprar dólares com ainda mais frequência. Os esforços de controle na utilização de dólares — com a entrada no país de cem bilhões de dólares recentemente — também têm se demonstrado ser frágeis, pois, na medida em que o governo procura colocar qualquer imposto nestes capitais, as elites rapidamente diversificam seus portfólios para a economia paralela. Ou seja, qualquer que seja o novo governo da Argentina, não obterá apoio desta elite, o que torna a situação frágil e difícil, do ponto de vista de governança.

Qualquer discussão sobre as eleições na Argentina também precisa ser entendida pensando no nível de endividamento do país. Mesmo que a Argentina não se encontre entre os países com maior endividamento em relação ao PIB, seu nível de endividamento e histórico de defaults implicam em uma dependência cada vez maior do estado argentino em administrar sua economia em prol do bem-estar de todos os argentinos. Na última década, as taxas de inflação elevada contribuem de forma marcante na queda do poder aquisitivo dos argentinos que não possuem alternativas para diversificar os riscos com relação a sua única fonte de renda, seus salários. Enquanto isso, a elite desloca sua renda e capital com facilidade, assim evitando os prejuízos a cada tentativa do governo de melhor distribuir os custos do ajuste para quem mais pode arcar com ele.

Essa dança de estabilização sem redistribuição dos danos promete ser o maior desafio do próximo governo.

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(As opiniões expressas pelos articulistas do Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)





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