Terms & Conditions

We have Recently updated our Terms and Conditions. Please read and accept the terms and conditions in order to access the site

Current Version: 1

Privacy Policy

We have Recently updated our Privacy Policy. Please read and accept the Privacy Policy in order to access the site

Current Version: 1

SP / DF / MG

(11) 5178-5154

EnglishעִבְרִיתPortuguêsEspañol

O diálogo como superação da greve – Jornal da USP


A Deliberação 216/2023, do Conselho Estadual da Educação, determina que ingressantes de 2023 nas instituições de ensino superior de São Paulo deverão cumprir 10% da carga horária de seus cursos de graduação com atividades de extensão. A USP está se mobilizando para atender às exigências da legislação, e uma das motivações principais da curricularização da extensão consiste na possibilidade de os estudantes interagirem efetivamente com o meio externo. Nesse novo espaço de aprendizagem, os alunos adquirem e aplicam conteúdos curriculares relevantes, ou seja, trata-se de oportunidade única para a inserção de práticas mais ativas e inovadoras de ensino. Esse processo dialógico preconiza uma construção coletiva de conhecimentos, ou seja, ambos os atores são protagonistas da ação e esta não ocorre como uma transmissão unilateral de saberes.

No mesmo momento em que se discute a curricularização da extensão na USP, os estudantes estão mobilizados em defesa de pautas pertinentes associadas ao aperfeiçoamento do programa de permanência estudantil e à melhoria da qualidade dos cursos de graduação por meio da contratação de mais professores. Infelizmente, a coerção tem sido usada como mote de convencimento, e a remoção dos obstáculos e o retorno à normalidade parecem distantes, a despeito das contínuas e detalhadas explicações das autoridades universitárias: 879 novos docentes estão sendo contratados, alguns em regime de urgência, e os aportes para a permanência estudantil são os maiores já destinados para tal fim (quase R$ 200 milhões/ano). Esse cenário pode ser modificado? Não, pois o quadro docente será recomposto aos níveis de 2014, os concursos devem seguir uma liturgia administrativa que é lenta (oito meses são decorridos desde a liberação da vaga até a admissão de um docente) e não há folga orçamentária para investimentos ainda maiores no programa de permanência.

As atividades da greve mobilizam somente uns poucos estudantes, os grevistas continuam inflexíveis e os prédios permanecem esvaziados. Pautas difusas, confrontos às vezes violentos e obstruções físicas dificultam o diálogo. Para os menos avisados, os reais motivos dos protestos não estão claros. Os estudantes demandam uma universidade mais justa e inclusiva, mas já há cotas em todas as vertentes de acesso à Universidade, inclusive para docentes e funcionários, e criou-se uma Pró-Reitoria específica para lidar com inclusão e pertencimento (PRIP), órgão pioneiro no Brasil.

O ambiente universitário é aquele em que a comunidade se reúne de forma civilizada para, com liberdade e autonomia, construir conhecimentos nas áreas das artes e ciências e formar recursos humanos altamente qualificados. O Estado custeia este espaço porque acredita que nele se produzem a tecnologia e o conhecimento que impulsionam o desenvolvimento econômico, científico, cultural e artístico, com consequências positivas para todo o tecido social. Neste ambiente diverso, atritos são inevitáveis. Por exemplo, há embates entre as ciências duras e as humanas, mas eles são resolvidos à custa de conversas, diálogos e reuniões. Decisões de outras naturezas também precisam ser tomadas na esfera administrativa e o estabelecimento de consensos nem sempre é tarefa trivial. Os resultados podem não agradar a todos os envolvidos, mas em um sistema democrático e altamente escolarizado, como as instituições de ensino superior, não se espera que o descontentamento gere conflitos insuperáveis. Estes são deletérios, pois conduzem a um esgotamento na relação entre as pessoas e à supressão da liberdade de pensamento e expressão. Em casos mais extremos, ao inalienável direito de ir e vir.

A importância da universidade pública para a sociedade é apenas marginal, pois o diálogo tem sido fragmentado e esporádico. Parcela significativa da população acredita que a instituição não faz parte de seu horizonte, reforçando o enganoso conceito da “torre de marfim”. Se não bastasse a irrelevância da universidade pública para a comunidade, políticos mais radicais empreendem seguidos esforços para desvalorizar a instituição. Por exemplo, elitista, ineficiente e dispendiosa são adjetivos usualmente empregados na tentativa de desqualificar a USP. Não sem surpresa, a exposição da universidade por conta de paralisações, como a atual, leva políticos oportunistas e setores da imprensa a defenderem a cobrança de mensalidades para sanar problemas financeiros. Obviamente, tal proposta apenas demonstra o desconhecimento de que educação é um bem a serviço da coletividade e revela como o conceito de “coisa pública” está se descolando do imaginário de algumas pessoas.

A autonomia outorgada à USP é essencial para ela manter um relacionamento com a cultura dissociado das pressões imediatistas do consumo e do mercado, de tal forma que a pesquisa básica possa ser conduzida com total liberdade. O distanciamento é importante para conferir independência à instituição, mas ela deve também manter algum tipo de contato com a sociedade que lhe permita aprimorar o ensino e a pesquisa. Esta interação com o meio externo é denominada extensão universitária, que, ao ser agora curricularizada, vai proporcionar aos estudantes uma oportunidade única de aprendizado diferenciado e aplicado. Ocorre que esta interação dialógica, esperada na relação aluno/professor, requer confiança e respeito para que seja profícua. Os piquetes, entretanto, representam a imposição à força e tem uma conotação antidemocrática. Da forma como têm sido conduzidos, significam a negação da própria universidade.

Neste movimento de paralisação das aulas, os estudantes levantaram pautas relevantes e demonstraram elogiável capacidade de mobilização. Não por acaso, tal atitude crítica e contestadora obrigou a gestão universitária a antecipar e acelerar o processo de contratação de docentes, reconhecendo e valorizando as demandas. A manutenção da greve, todavia, traz consequências, e entre elas incluem-se o aumento da evasão e o prejuízo na aprendizagem, especialmente dos estudantes com lacunas na formação pré-universitária. À luz desse cenário, talvez seja o caso de o movimento estudantil agir com cautela, compreensão e senso de oportunidade, sem baixar a vigília, e considerar a possibilidade de retomada da rotina universitária.

Alunos formados na USP possuem sólida formação intelectual e são preparados para exercer a reflexão racional com a qual podem transformar conscientemente a sociedade. O pensamento crítico, tão desejado e exercitado em nossa instituição, exige a autocrítica como contrapartida, e é na construção coletiva de valores que a função de uma universidade pública se apresenta como essencial e insubstituível. Esta tarefa demanda diálogos, e não rupturas. Ameaças circundam as instituições públicas a todo instante e chegará o momento em que docentes, alunos e funcionários vão precisar se unir para evitar dias ainda piores.
________________
(As opiniões expressas nos artigos publicados no Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)





Source link

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest
Print
plugins premium WordPress