Os formandos de 1983 foram impulsionados pelos ideais de uma universidade pública, gratuita, autônoma e democrática; a vivência numa época de profundas transformações solidificou o vínculo entre eles
Por Rose Talamone
A história da luta pela universidade pública, gratuita e autônoma didático-científica e financeira não é um relato recente. Já na década de 1960, o professor Hélio Lourenço de Oliveira, um visionário, ecoava a necessidade de uma universidade que fosse ao mesmo tempo independente e de interesse público. Suas palavras ressoaram no jornal O Esteto, editado pelos estudantes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, em 1967. Ele argumentava que uma universidade verdadeiramente autônoma assumia uma função política crucial, merecendo não apenas o respeito do público, mas também o do governo que a mantinha. “A noção de que uma universidade pública financiada pelos cofres do Estado deveria, por sua natureza, estar irrevogavelmente vinculada ao interesse público.”
Esses ideais acadêmicos e políticos lançados por Hélio Lourenço de Oliveira retornaram em solo fértil nas mentes da 27ª turma de formandos da FMRP em 1983. Naquele período turbulento, quando o Brasil emergia dos anos de ditadura militar em direção à anistia, esses formandos não prestaram homenagens a indivíduos, professores e funcionários, como era de prática, mas sim à universidade que almejavam: autônoma e democrática. Nomearam o Centro Acadêmico Rocha Lima como centro de discussão e luta política contra a opressão. Na formatura, o professor Hélio Lourenço de Oliveira, recém-anistiado, presidiu a cerimônia e recebeu uma homenagem moral com um discurso de apoio ao grupo. Um gesto marcante em tempos de transformações políticas.
Quatro décadas depois
Os formandos da 27ª turma se reúnem a cada cinco anos, como muitos outros grupos formados na USP. O que distingue esses encontros é uma profunda reverência pelos professores que os moldaram. “A imortalidade de que se reveste a natureza humana faz nossos mestres e mestras estarem sempre presentes. Presentes pela cultura transmitida, pela amizade conquistada, pelo exemplo que legaram. Faremos do dia no campus uma homenagem aos professores”, reflete Luiz Roberto Verri de Barros, um dos 30 formandos presentes na última reunião do grupo, nos dias 1º e 2 de setembro.
Enquanto observava as mudanças, a médica Rosângela Guaraldo Diniz Junqueira lembrava com carinho a convivência com os colegas e professores. “Eles foram muito mais que professores, foram mestres da vida.” Já o médico dermatologista Flavio Badin Marques, que fez carreira na cidade de Bauru, ficou encantado com o parque aquático, pois costumava treinar natação, durante seus anos de universidade, no lago. Ele também celebrou o fato de que seu filho é um formando da FMRP, testemunhando assim o legado acadêmico familiar. Badin Marques, que foi membro do Conselho Federal de Medicina (CFM), ressalta o “amplo conhecimento oferecido pela Universidade, com formação profissional e humanística, característica que possibilitou que muitos da turma assumissem cargos de gestão na administração pública ao longo da carreira”.
Um exemplo citado por Badin Marques é o caso do atual reitor da Universidade, Carlos Gilberto Carlotti Junior, que faz parte do grupo. Carlotti Junior ressalta a particularidade de sua turma ser muito unida, o que os caracterizou dentro da história. “Interessante como todos se descrevem surpresos com o crescimento do campus e da USP. Nós que estamos aqui no dia a dia muitas vezes não percebemos. Mas é muito bom ter esse olhar externo sobre o que representa a Universidade hoje.”
Entre os presentes, um convidado internacional, Erick Rommel Miranda Rivera, que veio do Panamá para estudar na FMRP, graças a um convênio entre os dois países. Segundo Erick, sua formação o diferenciou dos colegas panamenhos, onde o curso de Medicina segue o modelo norte-americano. Rivera mantém uma conexão especial com sua turma e, desta vez, trouxe seus filhos e neto para conhecer o lugar que teve um impacto significativo em sua vida.
O médico Antonio Emídio Sorrentino, mesmo morando em Ribeirão Preto e já tendo atuado no Centro de Referência da Saúde da Mulher – Mater, vinculado ao Hospital das Clínicas da FMRP, ainda se emociona ao falar dos colegas e da USP. “Voltar e encontrar os amigos é sempre uma emoção nova, isso aqui é a casa da gente. É bom ver toda essa ampliação, na nossa época era só Medicina, Farmácia, Odontologia e Filosofia, hoje tem cursos em quase todas as áreas, economia, direito, sem contar que nosso colega de turma, o Carlotti [referindo-se ao atual reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior], está fazendo uma bela gestão.”
Para Antonio Carlos dos Santos, que atualmente também é docente da FMRP, é muito bom rever o campus por outros olhos. “A vivência política daquela fase nos moldou e isso faz muita diferença hoje; essa experiência, somada à maturidade, é importante para transmitir importantes ensinamentos aos alunos, que poderão estar do lado de cá no futuro.”
Assim, a jornada da 27ª turma de formandos da FMRP transcende o tempo e se mantém como um testemunho inspirado na luta pela excelência acadêmica e pela autonomia universitária, um legado que continua a ecoar através de décadas, um farol de esperança na busca pela educação superior de qualidade.
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